Primeiro mamífero clonado, Dolly completaria hoje 25 anos

Pode até não parecer, mas já faz um quarto de século que o
mundo se espantou com um dos maiores passos já dados pela ciência: a primeira
clonagem de um mamífero, a partir de uma célula adulta - a ovelha Dolly, que se
estivesse viva completaria 25 anos neste 5 de julho.
O experimento foi um divisor de águas não apenas para a
ciência. A partir dele, teve início em todo o mundo uma série de debates sobre
a relação entre ética, ciência e legislação.
Produzida operacionalmente a partir de julho de 1996
nos laboratórios do Roslin Institute, da Universidade de Edimburgo (Escócia),
sob a coordenação do pesquisador Ian Wilmuth, a ovelha Dolly teve seu
nascimento anunciado na revista Nature em 27 de
fevereiro de 1997. O artigo científico "imediatamente gerou
enormes discussões após ganhar as páginas dos principais meios de comunicação
do mundo”, lembra o professor de pós graduação em Bioética da Universidade de
Brasília (UnB), Volnei Garrafa.
Em 1999, um estudo mostrou a tendência da ovelha
de desenvolver formas de envelhecimento precoce. Três anos depois, em
2002, foi anunciado que Dolly estaria com uma doença pulmonar progressiva que,
segundo alguns cientistas, seria um sinal de envelhecimento.
Em fevereiro de 2003, aos 6 anos, Dolly foi abatida, de forma
a evitar que fosse acometida de uma morte sofrida por causa de infecção
pulmonar incurável. Seu corpo foi empalhado e encontra-se exposto no Museu Real
da Escócia, localizado em Edimburgo.
Tentativas
Volnei Garrafa explica que Dolly foi o primeiro mamífero
clonado a partir de uma célula somática, já diferenciada, retirada da glândula
mamária de uma ovelha adulta. Dolly foi o único exemplo de sucesso entre 277
tentativas fracassadas de obtenção de um “clone aparentemente normal”, uma vez
que as demais tentativas geraram embriões com aberrações.
“Em termos biológicos, foi retirado o núcleo de uma célula da
glândula mamária de uma ovelha adulta e colocado no espaço nuclear de outra
célula também adulta; sob estímulos, essa célula reproduziu-se dando origem a
um embrião que foi colocado no útero da ovelha doadora”, detalha o professor
que é também presidente da Associação Internacional de Ensino da
Ética (IAEE, sigla em inglês) e diretor de Assuntos
Internacionais da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da
Unesco (Redbioética).
Ele lembra que a repercussão desse fato “foi extraordinária no
mundo todo”, especialmente com críticas à interpretação de que o ser humano
estava “brincando de Deus”.
Avanços
O pesquisador explica que existem dois tipos de clonagem, fato
geralmente desconhecido pelo público leigo e que muda completamente a percepção
sobre a palavra, o que costuma gerar desconfiança de modo geral.
“Além da clonagem reprodutiva, há a clonagem terapêutica, que
consiste no desenvolvimento da mesma técnica, mas cujo embrião resultante não
irá ser colocado no útero de um animal (ou de uma mulher) para gerar uma cópia
genética similar, mas em um meio de cultura de laboratório”, disse ele à Agência
Brasil.
“Nesse meio, ocorrerá o desenvolvimento do embrião (no
caso denominado de quimera) até um determinado momento – em geral até o 8º dia,
quando leva o nome de blastômero, estrutura embriológica com 80 a 100 células
chamadas de tronco-embrionárias. Essas células jovens têm a característica de
ainda serem indiferenciadas, o que significa que, se utilizadas em transplantes
celulares bem conduzidos cientificamente, poderão se adaptar e se transformar
em qualquer outro tipo de tecido do organismo animal ou humano”, afirma.
Garrafa acrescenta que, atualmente, existem “incontáveis
linhas de pesquisa” que utilizam a clonagem terapêutica para o desenvolvimento
de estudos relacionados a diferentes tipos de doenças, a partir da utilização
de células tronco-embrionárias originárias da técnica de clonagem terapêutica.
“Além disso, para o futuro, a partir do controle biológico e
ético seguro das técnicas pode-se prever até mesmo a criação de órgãos para
transplantes, embora os órgãos sejam estruturas formadas por vários tecidos
(epitelial, conjuntivo, muscular) o que gera maior complexidade técnica até que
se logre alcançar seu controle adequado”, diz o professor, ao comentar que
já foram desenvolvidas técnicas para a criação em laboratório de tecidos, como
o do músculo cardíaco.
Clonagem humana
Entre as grandes preocupações que se tem, relativas ao uso de
técnicas de clonagem, está a possibilidade de ela ser utilizada para reprodução
humana. Garrafa explica que “o rechaço ético-moral” é quase unânime nesse
caso.
“Não existe até hoje segurança técnica de que um
pesquisador interessado na clonagem reprodutiva humana não vá criar aberrações
biológicas. Mas minha reflexão vai muito além da simples estética do ser produzido,
mas, especificamente, à manipulação da intimidade da vida humana, ao próprio
genoma da espécie, à organização das nossas cerca de 30 mil cadeias decifradas
e harmônicas de DNA, fragilizando-nos como espécie com vistas ao futuro”.
Com isso, as pesquisas têm se restringido a algumas espécies
animais. “Nesse sentido, já são muitos – e com bons resultados – os estudos
desenvolvidos, por exemplo, com gado, onde a clonagem
constitui hoje uma técnica já incorporada em vários lugares”.
No Brasil, acrescenta o pesquisador, a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolve há cerca de 20 anos esse tipo
de trabalho, “inclusive no sentido do melhoramento genético animal para consumo
humano”.
Ética
Volnei Garrafa lembra que na semana imediata à notícia da
existência de Dolly, em fevereiro de 1997, sem noção sequer da existência de
dois tipos básicos de uso da clonagem (reprodutiva e terapêutica), nove
projetos de lei contrários a toda e qualquer iniciativa de clonagem foram
registrados no Congresso Nacional, bloqueando ou atrasando pesquisas
éticas que já vinham sendo desenvolvidas, especialmente no campo da genética,
em universidades do país.
“Se a ciência e a tecnologia, por um lado, não devem ser
academicamente dominadoras, por outro não podem ser eticamente submissas de
modo a aceitar proibições desmedidas. A ciência é a busca do conhecimento e o
seu desenvolvimento - desde que feito dentro de referenciais éticos
societariamente aceitos. Já a aplicação prática das descobertas, a tecnologia,
essa sim deve ser controlada por meio de comitês especializados de ética e
bioética”, defende o professor.
Legislação
“O Congresso tem um quadro muito qualificado de assessores
legislativos nas mais diferentes áreas que devem ser melhor utilizados. O que
se vê, em geral, com relação às proposições legislativas no campo biomédico, e
muito especialmente no campo da vida e da própria reprodução humana, é uma mistura
conservadora entre ciência e religião".
Segundo Garrafa, nas democracias participativas modernas se
requer que as legislações sejam construídas positivamente, afirmativamente,
proporcionando o direito à decisão autônoma de cidadãos e cidadãs com relação
ao que desejam ou não para suas vidas.
De acordo com o professor de bioética, a última lei que o
Congresso Nacional aprovou com relação ao campo biotecnocientífico foi a Lei de Biossegurança, em 2005.
“Apesar de ter proporcionado avanços, [a Lei de Biossegurança] mistura três temas diversos: o controle e uso de organismos geneticamente modificados, incluindo as células tronco-embrionárias para pesquisas [objeto dessa nossa entrevista e seu uso nas pesquisas com clonagem terapêutica], a criação do Conselho Nacional de Biossegurança e a reestruturação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança”, disse o pesquisador.
(*) Com informações da Agência Brasil.
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