Pandemia: profissionais de saúde negras sofrem mais com desigualdades
Há 15 meses atuando na linha de frente da covid-19,
profissionais de saúde no Brasil ainda se sentem despreparados para lidar com a
pandemia, mostra estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Entre as
mulheres, 72,2% das entrevistadas disseram não ter informações suficientes para
trabalhar. Essa condição atinge 61,1% dos homens. Para profissionais negras, o
percentual é ainda maior e chega a 78,22%. Os pesquisadores destacam que os
indicadores de sensação de despreparo refletem os dados sobre quem recebeu mais
treinamento, orientações ou recursos.
“Essas desigualdades têm marcas de gênero e de raça. As
mulheres estão em situação pior e essa diferença vem aumentando em relação aos
homens ao longo do tempo [da pandemia]”, diz Gabriela Lotta, uma das
pesquisadoras responsáveis pelo trabalho. O relatório foi produzido com dados
de uma enquete online, com 1.829 profissionais de saúde, entre os
dias 1º e 20 de março deste ano.
Esta é a quarta rodada da pesquisa e faz parte de uma série
realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB-FGV), em parceria com a
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Rede Covid-19 Humanidades. A proposta é
compreender as percepções dos profissionais que atuam na linha de frente da
pandemia sobre as condições de trabalho nesse período
Sobre o recebimento de equipamentos, treinamento e testagem,
também observam-se disparidades. Enquanto 57,93% dos homens brancos disseram
ter recebido equipamentos de forma contínua, o percentual cai para 38,12% entre
os homens negros. Em relação ao treinamento, 43,9% dos homens brancos relataram
ter recebido, e as mulheres negras foram as que menos receberam, com 20,94%. A
testagem de forma contínua foi citada por 22,5% dos homens brancos e 11,5% das
mulheres negras.
“A gente achava que ao longo do tempo essas desigualdades
fossem amenizadas, mas, pelo contrário, elas foram se acentuando”,
afirma a pesquisadora. Gabriela explica que a análise por gênero e raça se
mostrou fundamental ao longo do trabalho. “Nas outras etapas ficou cada vez
mais evidente que embora a pandemia afetasse a todas as pessoas, e
especialmente os profissionais de saúde, ela atingia de maneira diferente
mulheres e homens, especialmente as questões de raça.”
A desigualdade aparece também nas áreas de saúde mental e
divisão do trabalho doméstico. Para 67,3% dos homens entrevistados, a saúde
mental teve impacto durante a pandemia. Entre as mulheres, o índice chega
a 83,7%. Mais da metade das profissionais de saúde disseram dedicar mais de 14
horas por semana às tarefas domésticas, contra 39% dos homens.
Em termos comparativos das etapas do
levantamento Gabriela mostra que, no geral, os indicadores se
mantiveram ruins. “O sentimento de despreparo diminuiu um pouco, o acesso a
equipamentos de proteção individual aumentou, o acesso à testagem aumentou, o
suporte e orientação aumentaram, mas outros indicadores se mantiveram
muito ruins o tempo inteiro.”
Gabriela chama atenção para o esgotamento dos profissionais de
saúde. “Estamos com alto percentual de adoecimento, mortalidade muito alta
também, especialmente antes da vacinação, profissionais que estão com a saúde
mental abalada e precisam continuar cuidando dos pacientes. Eles não estão
tendo descanso, não têm férias, não têm licença e estão no limite.”
A pesquisadora destaca a necessidade de políticas que observem
as desigualdades estruturais. “Essas políticas deveriam ser para todos os
profissionais, elas precisariam ter um olhar muito cuidadoso, pois o
estudo revela os reflexos também dessa desigualdade estrutural de
gênero na sociedade", diz. Para ela, as políticas sempre devem ter um
olhar diferenciado para homens e mulheres, porque "se elas tratam todo
mundo igual, a gente está só reproduzindo desigualdades.”
(*) Com informações da Agência Brasil.
Nenhum comentário